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terça-feira, setembro 28, 2004

Direito do Trabalho

A invalidade do despedimento realizado sem a observância da lei é a característica mais marcante do regime dos despedimentos em Portugal. Se os motivos invocados para justificar a cessação do contrato de trabalho não existirem ou forem insuficientes, se não for organizado o respectivo processo ou se não tiverem sido cumpridas as respectivas formalidades essenciais, o despedimento é inválido, considerando-se que o contrato de trabalho se mantém.

À invalidade a lei associa um conjunto de efeitos, que visam assegurar a reposição do vínculo laboral e cuja produção depende da interposição de uma acção judicial pelo trabalhador. No período anterior à decisão do tribunal, a reposição da situação implica que o trabalhador seja indemnizado dos danos que o despedimento lhe provocou, recebendo, no mínimo, as retribuições que não foram pagas enquanto esteve afastado da empresa. Após a decisão judicial, a reposição é assegurada pela reintegração, ou seja, pela manutenção forçada do contrato de trabalho. Esta apenas é afastada se, em sua substituição, o trabalhador optar por uma compensação ou, em alguns casos, se o tribunal entender que não há condições para manter o contrato.

Este regime vigora em Portugal há cerca de trinta anos e mantém-se quase inalterado nos seus traços essenciais no Código do Trabalho (CT), embora tenham sido introduzidas algumas modificações significativas que importa conhecer. Tratamos hoje dos efeitos da ilicitude do despedimento antes da decisão judicial. No próximo artigo analisaremos as questões atinentes à reintegração e à respectiva compensação substitutiva.

Deve notar-se que o nosso regime é muito diferente do que existe na generalidade dos países europeus, em que – salvo casos particularmente graves – o despedimento ilegal não deixa de produzir a cessação do contrato de trabalho, ainda que implique o pagamento de uma indemnização. Assim, por exemplo, referindo o caso da economia que nos é mais próxima, em Espanha o despedimento ilegal obriga ao pagamento dos salários vencidos até à sentença (salários de tramitação), mas o empregador pode substituir a reintegração por uma indemnização de 45 dias de retribuição por cada ano de serviço, com o limite máximo de 42 salários mensais. Além disso, se o processo judicial durar mais de 60 dias úteis, o empregador pode exigir que o Estado o reembolse dos salários de tramitação que excedam esse período.

Voltando ao caso português e às novidades do CT neste domínio, registe-se, em primeiro lugar, o esclarecimento do prazo para o trabalhador recorrer ao tribunal. Tal prazo é de um ano em geral e de seis meses no despedimento colectivo. A alteração incidiu no despedimento colectivo, aumentando-se de 90 dias para seis meses o respectivo prazo de impugnação.

Se o trabalhador não recorrer ao tribunal dentro do prazo, considera-se que o contrato de trabalho cessou na data do despedimento, por mais grave que seja a causa da ilicitude do mesmo.

Como se disse, a ilicitude do despedimento pode resultar de razões materiais ou formais. Quanta a estas, a lei indica expressamente, para cada uma das espécies de despedimento, quais as irregularidades que determinam a invalidade do processo e a consequente ilicitude do despedimento. Tratando-se de um despedimento por facto imputável ao trabalhador (V. DE de 12 e 26.11.03), permite-se a repetição do processo (note-se que a repetição não é consentida quando não existir qualquer processo), solução que não era admitida na lei anterior. Está neste momento em preparação o diploma que irá alterar o Código de Processo do Trabalho, esperando-se que sejam consagradas as medidas necessárias para que esta medida possa ser aplicada na prática, articulando-a com o desenrolar da acção judicial de impugnação do despedimento.

A primeira consequência da declaração da ilicitude é a condenação do empregador em indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelo despedimento. A indemnização tem como valor mínimo o total das retribuições que deviam ter sido pagas, desde o despedimento até à data da decisão final que põe fim à acção. Esta decisão tanto pode ser a sentença do tribunal de primeira instância como a decisão do recurso que tenha sido interposto. Neste ponto o CT veio agravar os efeitos do despedimento ilícito. Desde logo, porque estabeleceu que os salários de tramitação são apenas o montante mínimo da indemnização, podendo esta ser superior no caso de o trabalhador provar que teve outros prejuízos para além dos resultantes do não recebimento atempado dos salários. Por outro lado, porque se esclareceu que são indemnizáveis os danos morais, o que nem sempre era aceite pelos tribunais.

Esclareceu-se ainda que os salários de tramitação são devidos até à decisão final do processo, o que era discutido na lei anterior, entendendo-se geralmente que só eram considerados os salários até à sentença da primeira instância. Note-se, porém, que esta solução foi definitivamente afastada uns dias antes da entrada em vigor do Código, tendo o Supremo Tribunal de Justiça proferido um acórdão de uniformização de jurisprudência (acórdão de 20.11.03, publicado no DR de 09.01.04), acolhendo a tese segundo a qual, mesmo no âmbito da anterior lei, os salários de tramitação são devidos até à decisão final da acção.

Na indemnização pelos danos decorrentes do despedimento deduzem-se as importâncias que o trabalhador auferir na pendência da acção judicial, desde que tais importâncias não tivessem sido recebidas se o contrato de trabalho continuasse a ser executado. Por exemplo, se durante a acção o trabalhador arranjar outro emprego que não tinha antes de ser despedido, o que aí ganhar será descontado na indemnização a pagar pelo empregador. Mas não se descontam as retribuições auferidas pelo exercício de uma actividade que o trabalhador já desempenhava, por conta própria ou de outrem, antes do despedimento.

Também se desconta o subsídio de desemprego que o trabalhador tiver recebido, mas o empregador tem de entregar esse valor à Segurança Social. Esta foi outra das novidades do Código, pois no domínio da lei anterior os tribunais entendiam que o subsídio de desemprego não se descontava nos salários de tramitação.

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