Crucifies my enemies....

segunda-feira, maio 10, 2004

Opinião

Não que concorde muito,pelo menos no essencial do texto, mas não deixa de ter razão noutros aspectos.

Comemorar porquê
João de Mendia




Como muito boa gente sabe, mais do que parece, até, e, sobretudo, muito mais do que se julga, o estado de desenvolvimento de Portugal, não só era bom antes do 25 de Abril, como dificilmente alguma vez terá sido melhor, desde que as estatísticas dão para comparar situações comparáveis. O que a revolução acabou por conseguir, foi fazer regredir os nossos índices de desenvolvimento aos valores de 1962. Ponto final.
É profundamente desonesto fazer o que se tem feito em relação ao regime anterior, sobretudo depois de terem saído obras resultantes de investigações desapaixonadas, comprovando ter havido por essa Europa fora regimes e administrações com teores de violência e de despotismo infinitamente superiores ao de Portugal. Alemanha, Itália, até certa fase Espanha, todos os países do leste europeu, pelo menos estes tiveram regimes ditatoriais de uma violência tal, que, comparados com o nosso, este não passa de um cândido sistema. Havia no nosso país alguma dureza nos processos, e até uma certa intransigência quando se tratavam de tentativas de impor, por processos terroristas, ditaduras disfarçadas daquele republicanismo de muito má memória da nossa primeira república. A estes era-lhes muito dificultada a vida, sobretudo por se saber do conluio de Afonso Costa com o primeiro-ministro espanhol, que passava pelo armamento de correligionários, portugueses e espanhóis, para retomar, violentamente, o poder de assalto em Lisboa. Neste conluio, já antes do Estado Novo, estava já a ideia de se fazer da Península Ibérica uma federação de estados, com a capital em Madrid. Em Portugal, Rolão Preto, a figura visível, e assumida, do fascismo lusitano, foi preso por Dr. Salazar. Já no fim do regime, a repressão era feita a quem se opusesse à paz e à tranquilidade por processos que alterassem a vida e a segurança de todos. Como é de toda a evidência, não se podia estar a combater uns, no Ultramar, e a permitir que esses mesmos nos aterrorizassem aqui na Metrópole. Só que não era por razões ideológicas que essa gente era incomodada, e até presa, porque farto de saber que eles eram comunistas estava a PIDE. Eram presos, porque esta se antecipava às grandes operações terroristas que, se detonassem, morreriam muitos milhares de pessoas. Para além dos partidos comunistas serem também proibidos em quase todos os países da Europa livre.

Portugal, segundo projecções possíveis de dados puramente estatísticos recolhidos nestes últimos trinta anos, só muito dificilmente estaria pior do que hoje se não se tivesse dado o 25/4, e a probabilidade de estarmos todos melhor, ou muito melhor, é enorme. Se nos mantivéssemos com a possibilidade de podermos comprar a quem quiséssemos, a vender ao melhor preço e a não termos de arcar com regras ruinosas de um mercado comum viciado, não podíamos, mesmo, deixar de estar melhor. Muito melhor.

Marcello Caetano, segundo duas interessantes entrevistas de Veríssimo Serrão e de sua própria filha, tratava-se de um homem de cultura, muito humana, com convicções fortes e um enorme respeito por aquilo porque aceitou responsabilizar-se, que eram, Portugal e os Portugueses. Dir-me-ão que, tanto um como outra destas pessoas não poderiam ter senão esta opinião, cada um pela sua razão, mas não foi apenas a opinião deles que se ouviu neste últimos dias, mas as de outros que, entretanto, se foram informando em obras ultimamente trazidas a público e que retratam o que foi a pujança da nossa realidade de 61 a 74.

Marcello, em África, por exemplo, constatou que a ideia dos próprios africanos, brancos e pretos, para resolver o problema ultramarino, não passava pelo que aqui se dizia na Metrópole, e muito menos pelo que o queriam convencer os simplistas de Maio de 68. Sem a menor experiência governativa nem cultura política que os fizesse perceber do que falavam, nem das consequências do que propunham, ao som de um Brell ou de um Correia de Oliveira e vindos da snobeira irresponsável que eram as conspiratas na Capela do Rato, achavam então que a resolução da questão do Ultramar se esgotava numa entrega, pura e simples, e na retirada das forças do terreno. Mas não era, como desgraçadamente o assassínio de milhões de inocentes o veio a confirmar.

Marcello Caetano, depois da sua segunda visita a Angola, e se alguém havia com discernimento intelectual e cultural, ele era um dos mais brilhantes, acabou por reconhecer que “não poderia abandonar quem tanto esperava dos portugueses”, e muito menos de uma forma precipitada, como a que os arautos de uns estranhos “direitos humanos” o exigiam, ignorando os genocídios que isso mesmo já tinha provocado em vários territórios vizinhos.

O que não consegui deixar de ouvir nos telejornais e ler na imprensa escrita dos últimos dias, sobrou para se me dissiparem as eventuais dúvidas que pudesse ainda manter sobre alguns aspectos do 25 de Abril. Passados que são 30 anos sobre o golpe de Estado, tanto os militares, poucos e maus, que acharam que ser militar não deveria passar por ir à guerra, e que formaram o MFA, como os que começaram, desde a primeira hora, a trair tudo e todos, como ainda os oportunistas para quem ter a opinião que for preciso é um modo de vida como outro qualquer, todos acabaram por se retratar nestes últimos dias.

Durante muitos meses, e fazendo fé em artigos vindos a público no DN, Portugal esteve para ser atacado por forças da NATO, provocando que os portugueses tivessem sofrido um seriíssimo problema militar, cujo fim teria sido a desgraça que facilmente se calculará. Esta reacção foi por ter havido receio que se instalasse aqui uma nova Cuba, alastrando-se o imperialismo soviético para oeste do Continente Europeu, à semelhança do que, inevitavelmente, iria acontecer na África portuguesa, pela mão, na época, de comunistas e socialistas.

Sabe-se hoje em dia que as mudanças estavam a ser pensadas, e iriam ser postas em prática dentro em breve, não só na Metrópole como no Ultramar. Só que vários condicionalismos, como o enfraquecimento da América com o Watergate, etc., fizeram com que se precipitasse o 25 de Abril, acabando por se mudarem as coisas no pior sentido. Não se tratam, estas reflexões, de uma apologia do anterior regime, se bem que isso, em teses, tenha a maior legitimidade, e ignorar o progresso seria um erro que eu não cometeria. Postas todas estas coisas, e muitas outras mais, comemora-se o 25 de Abril, porquê?



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