Crucifies my enemies....

sexta-feira, dezembro 05, 2003

Para alguém que se identificar com isto e que tenha paciência

A infidelidade: compreendâ-la e lidar com ela


Uma relação inicia-se quase sempre numa atmosfera de grande intimidade. Porém, mais tarde ou mais cedo, acabam por surgir pequenos conflitos que se podem ir agravando a um ponto em que a relação termina.

Normalmente quando um parceiro se retrai da relação o outro também o faz, criando assim barragens aos sentimentos. Distorce-se a realidade e o diálogo torna-se impossível: tudo o que o outro diz ou faz é mau. A sua presença torna-se intolerável.

Se na relação houver um (uma) amante, essa distorção é maior: o "outro" é a perfeição, o conjuge a desilusão. Entra-se no jogo de quem fez mais, quem se entregou ou quem estragou o quê. É impossível haver diálogo e a ruptura está por um fio.

Eis algumas ideias para analisar melhor o que se está a passar:

1. O divórcio é das experiências mais traumáticas pela qual pode passar um ser humano. Todas as certezas vão por água abaixo. É como se a nossa vida sofresse um abalo sísmico. Leva anos a recuperar emocionalmente de um divórcio, sobretudo nas mulheres. O abalo da confiança é tão forte que nunca mais se consegue voltar a recuperar o bem estar e a capacidade de amar livremente.

2. Isso não significa que muitas vezes o divórcio não seja a única saída. Mas antes de se precipitar tente perceber as razões por detrás dos comportamentos e os sentimentos que ainda possam existir.

3. A salvação de um casamento depende da capacidade de um dos parceiros cair na realidade e tentar restabelecer a relação.

4. Defini-se infidelidade quando alguma coisa que é suposta ser nossa, sobretudo a nível emocional, é entregue a outra pessoa. Por isso infidelidade não ocorre só quando se beijou ou dormiu com alguém. Uma carta ou um email mais intímo pode ser infidelidade, pelo menos manifesta essa intenção.

5. primeiro indicador da existência de problemas numa relação é a ausência de diálogo e a perda de intimidade.

6. Existem três elementos que caracterizam a infidelidade:

a) Segredo;

b) intimidade emocional (falar mais com o "outro" que com o parceiro);

c) Química sexual, dizer a "ele(a)" que se teve um sonho erótico - isso cria uma tremenda tensão sexual pois alimenta a tentação do fruto proibido.

7. Um affair é devastador para quase todas as pessoas envolvidas: é uma das experiências mais dolorosas que o parceiro traído pode sofrer que se acaba por reflectir também nos filhos. Produz um dano enorme na confiança entre o casal e pode facilmente levar ao divórcio. É um risco que não vale a pena correr!

8. O mais importante para evitar a infidelidade é ser capaz de estabelecer fronteiras entre a amizade e "algo mais". Não deixar criar oportunidades, sobretudo quando se está mais vulnerável. Podemos ter uma boa amizade, mas temos de ter cuidado com quem fazemos as nossas confidências. Sobretudo os homens ao tornarem-se íntimos de uma mulher correm um grande risco dessa relação se sexualizar. Confidenciar a um amigo(a) o quanto o seu casamento está mal é um convite ao desastre.

9. A maioria dos homens infiéis não tem envolvimento emocional com as amantes; muitos afirmam amarem a esposa. Pelo contrário as mulheres que se envolvem com amantes fazem-no devido a problemas na relação e têm um grande grau de envolvimento emocional.

10. As mulheres crêem que amando o parceiro ele não terá necessidade de envolvimento com mais ninguém. Esse amor é exclusivo. É por isso difícil a uma mulher aceitar que o marido esteja envolvido apenas sexualmente sem o estar emocionalmente.

11. Para os homens é mais doloroso saber que a mulher teve um envolvimento sexual. Para a mulher é mais cruel saber que o homem está envolvido emocionalmente.

12. Saber que o cônjuge está envolvido num caso é mais traumatizante se o casamento tiver sido bom, pois as espectativas que se haviam criado para a vida a dois ficam comprometidas. A infidelidade é sobretudo uma perda de confiança no outro.

13. Quanto maiores forem as mentiras cometidas mais difícil será recompor a confiança.

14. Deve dar-se liberdade para que a pessoa que traiu possa expressar as suas necessidades dentro da relação e não as procure fora dela. Por exemplo, quando o homem gosta de ajudar os outros e a mulher não permitir que ele o faça. Ou quando a mulher gosta de conversar e o marido não é capaz de a ouvir.

15. Quando se descobre que algo está mal, é a mulher quem dá o alerta: tenta abordá-lo e insiste em falar com ele. A reacção dele é quase sempre afastar-se, mentir ou omitir a verdade. Ignorar estes avisos é um grande erro que quase sempre se paga caro. Se não houver resposta dele, normalmente as coisas vão-se deteriorando até um ponto em que ela fica cansada e acaba por desistir de o chamar à atenção.

16. Erradamente ele interpreta este sinal como se ela estivesse mais calma e que irá voltar para ele. Na verdade ela está a por um ponto final na relação e fica emocionalmente disponível para outro homem. Normalmente o homem só se apercebe do que se passa quando ela parte ou a vê nos braços de outro. Muitas vezes é já tarde demais para recompor as coisas.

17. O meio social e familiar pode servir de catalisador ou inibidor para a concretização dos affairs: se a maioria dos seus amigos, colegas de trabalho ou familiares os tem ou tiveram é-se mais tentado a tê-los também. O inverso é igualmente válido.

18. Deve haver tolerância para compreender que as causas que levam a um affair são muito distintas no homem e na mulher. Para a mulher ele é induzido pela sensação de abandono e justificado com base no amor ou na intimidade que se sente por outro. O interesse meramente sexual vem em último lugar. Para o homem é ao contrário: embora o abandono possa aumentar o desejo, normalmente a razão primeira é simplesmente o sexo. Para ele o amor figura no fundo da tabela como a causa desses envolvimentos.

19. As probabilidades de divórcio são maiores se os affairs ocorrerem no início do casamento, e sobretudo se for a mulher a tê-los. Após começar o seu affair ela vai pensar que afinal fez a escolha errada.

20. O que geralmente atrai a mulher num affair é um homem que seja o oposto do marido ou então uma versão das características do marido quando estava enamorada dele. Mas não se pode ter tudo numa única pessoa. A mulher tem tendência a ver só as coisas boas no amante e, ofuscada pela paixão, esquece que ser amante é uma coisa viver o dia-a-dia é outra.

21. O que atrai os homens é sobretudo a sexualidade, a disponibilidade, a rebeldia, a sensação de liberdade, de criatividade e de fuga que a amante lhe confere.

22. Existe uma grande correlação entre a figura com quem o cônjuge esteve ligado na infância e a personalidade do affair que ela escolhe. Por exemplo, se teve uns pais autoritários é provável que a sua escolha seja alguém que lhe dita as regras e impõe respeito.

23. Nalguns casos o parceiro e o affair tornam-se complementares, mas gera-se um triângulo amoroso potencialmente perigoso.

24. Como resolver o dilema? Um ponto chave é perceber o falso mito que "eu sou incompleta e por isso preciso da outra pessoa para me fazer feliz". Isso é errado. A felicidade é algo que devemos ser NÓS a conseguir, no trabalho, no crescimento individual, na vida. A outra pessoa deve estar ao nosso lado não para nos dar mas sim para partilhar a nossa felicidade. Sem nos amarmos e aceitarmos a nós mesmos não podemos amar os outros.

25. Infelizmente após o casamento a mulher que era nossa amante converte-se na nossa esposa arcando com a moral e responsabilidade, além das tarefas domésticas e quotidiano. Dá-se a desexualização da mulher. O homem pode perder o interesse sexual ou canalizá-lo para amantes ou prostituas. Em suma em casa tem a esposa bem comportada que lhe dá carinho, e no bordel a jovem irreverente ávida de sexo.

26. Esta última dualidade, embora comum entre os homens também pode também concretizar-se para muitas mulheres, sobretudo das classes altas. O papel de "senhora", que a mulher se vê força a exibir, aniquila a sua sexualidade, que como vimos é importante na mulher.

27. Os ciber-affairs pela internet são tão, ou mais, perigosos que os normais. Além de serem mais fáceis provocam um maior afastamento do parceiro. É perigoso contar fantasias a pessoas que nunca vimos quando não o fazemos com o nosso parceiro!

28. É bom notar que apenas 10% dos affairs que conduziram ao divórcio sobrevive depois dele. O encantamento acaba depressa. Os detalhes que antes não eram notados tornam-se agora visíveis.

29. O melhor indicador para saber a capacidade de reconciliação de um casal é ver qual a atitude do parceiro quando lhe conta a verdade.



30. O que fazer para não se repetir? Reparar as vulnerabilidades que tornaram possível. Acabar com a curiosidade (aceitar convites para almoçar), não se tornar/ser confidente de pessoas do outro sexo, não ficar muito íntimo com a pessoa com quem se trabalha, sobretudo não partilhar as ocasiões especiais sem o cônjuge.

31. Após a reconciliação é difícil as coisas voltarem a ser como antes. As pessoas serão sempre diferentes pois perdeu-se a candura da honestidade e a magia da entrega incondicional. No entanto é possível colar os pedaços e tornar a peça ainda mais resistente, pese embora que um olhar minucioso mostre sempre as falhas provocadas.

32. O ingrediente essencial na recuperação é a HONESTIDADE. Acabar com todos os contactos capazes de disturbar a relação e confessar ao cônjuge quando se encontrou com alguém interessante ou com o ex-affair e dizer-lhe o que falaram e o que sentiu. Honestidade absoluta e alguma capacidade de aceitação é essencial para reconstruir a confiança. "Se deixar o nariz do camelo cheirar a sua tenda um dia ele acabará jantando consigo."

33. As coisas podem recompor-se mas é normal mas a desconfiança permanece como um fantasma.

34. Um dos sinais que as coisas estão a ir no caminho certo é a vontade de falar com descontração do amante. Não o mistificar como um anjo (por nós) nem como um demónio (pelo marido).

35. Normalmente numa relação há uma das partes que entrega todas as suas energias para que ela funcione. No entanto, isso faz com que a outra parte se distancie e acabe num affair. Por isso é errada a ideia que só inicia um caso quem não está a receber o suficiente em casa, o inverso é verdade: ele(a) inicia o caso porque não está a dar o suficiente.

36. Mostrou-se que os affairs se caracterizam por possuírem uma relação muito equitativa: ambos dão carinho e atenção em proporções semelhantes. No casal deve caminhar-se nesse sentido e não se deve sentir estar a dar mais que o outro. Deve haver uma entrega semelhante. As coisas vão mal quando um deles não acompanha essa entrega e não participa.

37. Uma relação é como um fogo que se pode deixar abrandar mas nunca permitir que se espalhe para fora da casa. De vez em quando temos de ir atiçando as brasas.

38. Existem duas grandes fases numa relação: idealização (o parceiro é a pessoa perfeita) e desilusão (afinal existem inúmeras coisas que não consigo suportar nele). Isso mais tarde ou mais cedo quase sempre leva ao conflito. Portanto antes de baixar os braços ao primeiro conflito sério, temos de tentar resolvê-lo, pois não existem pessoas perfeitas e os conflitos são sempre inevitáveis em todas as relações.

39. É por isso injusto comparar um affair que dura apenas há uns meses e está na fase do encantamento com uma relação de anos e que passou para a segunda fase. Antes de abandonar a relação deve-se tentar tudo por tudo para a recompor. Só depois se deve tomar a decisão. Não o fazer é como estar a comprar caro e vender barato.

40. Deve existir um período de ajuste de algumas semanas ou meses para se dizer adeus ao affair, mas depois disso deve acabar TUDO. Se após seis meses o affair permanecer o melhor é concretizar a separação.

41. Janelas e paredes. Um affair é um muro de intimidade com o amante com uma janela para o casamento, mas uma janela só de um sentido. Falar com o cônjuge sobre o affair e confessar os nossos sentimentos é uma forma ajudar na reconciliação e inverter o processo: construir um muro de intimidade em volta do parceiro e a família e ter uma janela aberta para as pessoas de fora. Ás vezes constroem-se janelas sem se preocupar antes com a edificação de muros, outras vezes constroem-se muros sem se construir janelas.

42. E não se esqueça a melhor prenda para os filhos é o amor entre os pais.

43. Não se deve concentrar na culpa um do outro mas em procurar compreender as razões profundas que levaram ao desentendimento. Diálogo, compreensão, e completa honestidade são sempre os pontos chave para o sucesso.

44. Grande parte do problema está nas nossas pressupostos. Assumimos como verdades que somos monogâmicos, que sabemos porque ocorrem os affairs, que só as pessoas "de mau carácter" são infiéis, que o nosso parceiro é sempre fiel, etc. Esqueça essas certezas e olhe para a realidade.

45. Não existe protecção absoluta contra affairs. Ninguém é imune e temos de lutar pela nossa relação. Isso não é um caminho fácil.

46. Recuperar não significa "ficar com", como se fosse a posse de um objecto. Não é uma questão de perder ou ganhar, mas de perceber o nosso intimo e sermos bons para nós mesmos. Lembre-se que o objectivo final é levar uma vida com significado.

47. Para avançar-mos temos de saber perdoar, aos outros e a nós mesmos.

48. As pessoas tem de entender que os sentimentos em relação ao amor não são constantes mas evoluem em ciclos naturais. Se o seu relacionamento não está a ser como desejava que fosse, talvez o problema não seja a relação em si mas tenha a ver com os seus próprios conceitos de amor.

49. O grande inimigo da monogamia é o segredo. Se existir honestidade é quase impossível cair num affair.

50. Os affairs são quase sempre com amigos e colegas de trabalho. Mas a internet permite aumentar imenso o número de pessoas com quem se pode contactar. Neste momento a Internet é o mais potente veículo de risco para os casamentos. Deve haver o grito de alerta quando as conversas que tiver na internet forem mais íntimas que as que mantem com o seu parceiro. Um dos maiores riscos de possuir um computador é ter um affair pela internet.

51. O risco de affair na mulher é elevado se ela tem necessidades emocionais que não são preenchidas pelo parceiro. Que necessidades são essas:


Afecto

Sexo

Conversação

Companheirismo

Honestidade e abertura

Atracção física

Apoio financeiro

Apoio doméstico

Apoio familiar

Admiração

Por Armando Vieira
O autor deste texto é professor de Física no ensino superior. Além da Física, interessa-se por todos os sistemas complexos: Redes Neuronais, Economia, e ... o amor e a psicologia das mulheres.
Nas horas vagas escreve contos e ensaios. Está a concluir o seu primeiro romance "Umas Férias de Si Mesma".

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