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terça-feira, maio 03, 2005

Zen - Filosofia oriental

Qual é o sentido da vida? É resolver o problema da nossa existência. Embora possuamos a natureza de Buda, até agora só tacteamos na obscuridade. Não sermos embaraçados nem pela sociedade nem pelo ego, é - penso - a verdadeira liberdade. Esta liberdade é apreender o não-temor."
Mestre Kodo Sawakir

O zen é a prática do autocontrolo, da disciplina e da simplicidade de viver. A essência da sua mensagem tem um significado universal. Está na raiz do conhecimento de si próprio, para além das diferenças dos sistemas, valores, nações ou raças.

Insatisfeito com a realidade que o cerca e atormentado pelo seu próprio mundo interior, o homem moderno sente--se cada vez mais atraído pelos princípios zen. Esta filosofia abala o cidadão organizado que habita dentro de nós e gosta de se mover no círculo rítmico e rotineiro do quotidiano. Por isso, esta maneira de estar no universo é uma ameaça para os valores aceites pela sociedade e irrita os representantes dos "sistemas" criados para manter o mundo a funcionar sem complicações.

Para a maioria de nós, ocidentais, "ser" ou "estar" zen pode significar apenas colocar-se num estado de quietude, despreocupação ou meditação. Por vezes, esta ideia é associada ao estar bem com a vida. No entanto, o quase indefinível zen é mais do que isso.

O zen pode ser alcançado através de duas práticas: o koan e o zazen. Koans são pequenas frases, aparentemente sem sentido, mas que possuem uma grande profundidade. A verdadeira análise do koan não deve contar com o pensamento lógico - é uma análise meditativa e intuitiva. Alguns koans típicos são: "Qual é o som de uma única mão que bate palmas?" ou "Qual a cara que tinha antes de nascer?" Estas pequenas frases ou palavras devem ser recitadas mentalmente, sílaba a sílaba, com a máxima atenção, porque quando são mantidas na mente por um determinado período de tempo - sem serem misturadas com outros componentes - parecem infiltrar-se em todas as partes do cérebro.

O zazen corresponde ao termo sânscrito dhyana, cuja raiz, dhy, significa perceber, reflectir sobre algo, fixar a mente. É o acto de manter o pensamento unido e a mente concentrada num único objecto mental.

"Para a prática do zazen, a postura ideal é sentar-se sobre uma almofada, com as pernas cruzadas, as costas bem direitas e a respiração calma. A postura das mãos também tem de ser precisa. O espírito, livre de todos os entraves, está concentrado sobre a expiração. A ideia é abandonar o ego, pois este é uma máquina que está sempre a fabricar pensamentos e deve repousar. Abandonando todas as preocupações, o praticante atento ao instante presente faz a aprendizagem da consciência mais profunda", explica o monge zen Yves Crettaz, da Associação Dojo Zen de Lisboa. E acrescenta: "Geralmente, pratica-se zazen no Dojo ['do' significa via, e 'jo', lugar], um local tranquilo onde se medita e que ajuda à concentração. Aos sábados, às 10 horas da manhã, na Associação, há uma sessão especial de explicação sobre a forma de entrar no Dojo, sentar-se e manter a postura ideal. Esta postura requer uma prática regular. O ideal é que seja todos os dias de manhã, mas se a pessoa só o puder fazer duas vezes por semana, não há qualquer problema", observa Yves Crettaz.

A prática zazen traz inúmeros benefícios. "Permite ascender a um melhor domínio de si mesmo, traz naturalmente força, paz, liberdade e transforma a nossa relação com o mundo. Está na origem da expansão do ser humano na sua vocação autêntica", refere Yves Crettaz, que pratica zazen há 15 anos. "A vida torna-se mais simples. A maneira de encarar os problemas é diferente. É uma experiência que estrutura as pessoas", comenta.

A americana Charlotte Joko Beck dedica-se há muitos anos à prática do zazen. Concilia a sabedoria oriental e a prática no Ocidente. Segundo o seu livro Sempre Zen (editora Saraiva), "um dos objectivos desta filosofia é levar uma vida confortável. Aprendendo a conviver com a realidade do aqui-e-agora, deixando de idealizar a vida como algo diferente. É pre-ciso experimentar as sensações: medo, frio, fome, alegria, entusias-mo, dor. O grande segredo consiste em tirar a própria vida do reino dos sonhos, onde se encontra, e transferi-la para a imensa realidade que existe".

"O zen permite o desenvolvimento de sentimentos nobres através da vivência ou experimentação de outros considerados negativos. Experimentar a raiva, por exemplo, pode levar à compaixão. Ao lidar com um sentimento negativo, devemos agir como as pessoas que procuram a perfeição no que fazem. Por exemplo, ao escrever uma carta, devemos relê-la cada vez que acabamos um parágrafo, distanciando-nos da última ideia escrita e apreciando como esta se insere em relação ao todo, à ideia central da carta. Assim devemos proceder em relação à raiva, à inveja, ao ciúme, aos ressentimentos. Necessitamos de nos distanciar deles e vê-los 'de longe', para perceber a sua real dimensão e importância", acrescenta a autora.

A condição normal, segundo o Mestre Deshimaru, é reencontrar um espírito vasto, livre, para lá das categorias. É harmonizar-se com o sistema cósmico, com os outros e tornar-se menos egoísta.

O zen não se baseia em qualquer do-gma ou ideologia. É uma experiência viva que transforma a nossa relação com todo o universo. Atingiu o seu pleno desenvolvimento no Japão, nos séculos XV e XVI. A partir daí, deu uma importante contribuição à cultura nacional, transformando profundamente a estética japonesa. Com o seu estilo simples e subtil, o zen encontrou a sua melhor expressão na pintura a nanquim (técnica sumi-e). Além disso, é notável a sua influência nos jardins e na arte do chá.

A consciência de que ninguém pode viver a nossa vida e de que não podemos vivê--la por alguém é de suma importância para a prática zen. No que concerne a relacionamentos, a prática do zen é também fundamental. Em primeiro lugar, é preciso que tenhamos a consciência exacta do que procuramos - caso contrário, estaremos numa busca ilimitada. No seu livro, Joko Beck refere que "a consciência verdadeira irá mostrar-nos os pontos fracos da pessoa com quem nos relacionamos, e não há qualquer problema no facto de a pessoa não ser a 'imagem da perfeição'. Errado é não a aceitarmos como ela é. Quando estamos com uma pessoa (ao vê-la, tocá-la, ouvi-la), apenas ela é o nosso vivenciar, e isso é correcto".

O ideal é tirar o melhor partido possível dos exemplos práticos do zen. Experi-mentar vivenciá-los e extrair o máximo de sabedoria desta prática, que não é apenas contemplativa, mas requer muita acção em relação a mudanças de comportamento, para nos colocar mais perto daquilo que designamos por verdade.

Associação Dojo Zen de Lisboa
Rua Morais Soares, 25-B, s/c esq., Lisboa
Tel. 21 4570341 e 21 8869227

Espelho sem manchas
O termo zen deriva do chinês ch'na, uma alteração da palavra dhyana, de origem sânscrita, que pode ser traduzida por meditação.

O mestre japonês Daisetz Teitaro Suzuki trouxe o budismo zen para o Ocidente, no século passado.

No seu livro Introdução ao Budismo Zen (editora Pensamento), afirma que esta filosofia "compara a mente a um espelho isento de manchas. Ser simples, portanto, de acordo com o zen, significa manter este espelho sempre brilhante e limpo, pronto para reflectir pura e simplesmente o que dele se acercar".

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