Os vícios da vontade
a) Erro
Nos casos referentes a negócios jurídicos com vício, poder-se á dizer que falta a vontade real; o legislador pode atribuir efeitos jurídicos, pelos motivos expostos, à declaração da vontade, quando verdadeiramente ela não corresponde a uma vontade real, e nos termos que ficam apontados.
Mas o elemento da vontade nos negócios jurídicos deve também ser examinado no processo da sua formação.
São distintas, para a lei, a situação que consiste num erro na declaração da vontade e a situação que consiste num erro na formação da vontade. Nesta última hipótese, não há divergência entre a vontade real e a declarada; antes coincidem. O que há é desacordo entre a vontade que se formou em virtude de um erro e a vontade que se teria formado se não tivesse havido erro na formação daquela vontade.
O erro que recai sobre a natureza do negócio jurídico, isto é, sobre os efeitos pretendidos, é no fundo um erro na declaração, que não corresponderá à declaração que efectivamente se quis fazer.
O erro, vício da vontade, pode ser essencial ou acidental. É erro essencial aquele que é relevante juridicamente, isto é, que tem por consequência a anulabilidade do negócio jurídico; erro acidental, o que é indiferente, sem relevância, do ponto de vista jurídico.
O erro, como vício da vontade, é essencial quando recair ou se referir à pessoa do declaratário (erro sobre a pessoa) ou ao objecto do negócio (erro sobre o objecto), desde que atinja os motivos determinantes da vontade (art.251º). O erro como vício da vontade, é o falso conhecimento que se tem de determinada realidade: ao erro se equipara a ignorância, isto é a falta de conhecimento da realidade.
Quando a ignorância ou erro recai sobre a pessoa ou objecto a que se refere o negócio, e o negócio só será querido em razão de certa pessoa ou objecto, da sua identidade ou qualidades, foi viciada a formação da vontade do negócio jurídico e este é anulável. Tal anulabilidade, porém, em razão da conveniência de proteger a segurança das relações jurídicas, os interesses do declaratário de boa fé, e não apenas o interesse do declarante, só tem lugar, tal qual acontece com o erro na declaração, se o declaratário conhecer ou não dever ignorar que o declarante só queria o negócio se se verificassem as circunstâncias sobre as quais estava afinal em erro.
O erro na formação da vontade é um erro que recai sobre os motivos determinantes da vontade. Para além dos motivos determinantes que se refiram à pessoa ou objecto do negócio, quaisquer outros motivos referentes a circunstâncias que não são nem a pessoa nem o objecto a que respeita o negócio, não tornam este anulável.
Só será anulável se, previamente, as próprias partes tiverem condicionado a validade do negócio à verificação das circunstâncias sobre as quais incidiu o erro efectivamente determinante da vontade negocial (art. 252º).
b) Dolo
O dolo é também indicado como vício da vontade pela lei, com o efeito de tornar anulável o negócio em que se verifique. Verdadeiramente o dolo não é um vício da vontade diferente do erro. A designação é utilizada no Código Civil (com significado diverso do dolo, equivalente a intenção, em direito penal) para significar o artifício utilizado para induzir em erro.
O erro produzido por dolo será essencial, em casos nos quais não tendo sido produzido por dolo será meramente acidental, isto é, irrelevante. Basta para que o erro causado, então, seja essencial, que o falso conhecimento causado pelo dolo tenha sido determinante da vontade negocial (Cód. Civil, arts. 253º e 256º).
c) Coacção moral
A vontade, simplificado o conceito nos seus elementos, é constituída fundamentalmente por um elemento intelectual e um elemento volitivo. Não se pode querer aquilo que primeiramente se não conhecia.
A viciação da vontade, no que respeita ao conhecimento do seu objecto, constitui o erro.
A viciação da vontade, no que respeita ao elemento volitivo, à liberdade da vontade, constitui a coacção moral ou ameaça. Se o declarante se decide a querer o negócio, por medo dum mal com o qual é ilicitamente ameaçado, a sua vontade não é livre, mas coacta.
O mal temido, que é objecto do medo ou temor do declarante, tanto pode respeitar à pessoa, como à honra ou fazenda do próprio declarante ou de terceiros.
A coacção moral pode provir de outra parte no negócio, ou de terceiros, sendo apenas necessário que seja grave, e seja justificado o receio da sua consumação. A vontade negocial, viciada por coacção moral, é também anulável (Cód. Civil, arts. 255º e 256º).
A incapacidade acidental
Vimos expondo as características da vontade, como elemento do negócio jurídico.
Pode anotar-se que a lei como que deforma ou mutila a realidade do acto voluntário, considerando ainda como vontade consciente e livre a vontade viciada por erro, dolo ou coacção.
Por isso, em tais casos, não proclama a falta ou inexistência do elemento da vontade negocial, antes admite a existência do requisito da vontade, embora viciado.
Daí deriva que a vontade negocial, continua a existir em princípio, e pode produzir efeitos, a não ser que se peça a sua anulação. A vontade não é considerada como inexistente, no campo das relações privadas (diferentemente em matéria penal), e por isso o acto não é privado necessariamente de quaisquer efeitos, pois que então seria nulo, mas tão só privado de efeitos se se solicitar a sua anulação, porquanto é simplesmente anulável.
Com o elemento do negócio jurídico que é a vontade, se relaciona o primeiro elemento de que tratamos: a incapacidade negocial.
A incapacidade de exercício de direitos assenta, em geral, na incapacidade natural de governar a própria pessoa e bens. Respeita à falta ou grave deficiência do entendimento ou da liberdade da vontade.
Este substrato da incapacidade pode ter causas permanentes ou duradoiras, como a menoridade, as doenças mentais crónicas, ou pode verificar-se em estados transitórios, ocasionalmente. Falar-se-á então de incapacidade acidental.
Em estados de incapacidade acidental verifica-se a falta, enquanto perdurar, de inteligência ou entendimento suficientes ou da liberdade da vontade, de modo que se devem anotar as mesmas consequências da incapacidade acidental que resultam da viciação da vontade. É precisamente o que dispõe o art. 257º do Código Civil.
A representação dos negócios jurídicos
Distinguem-se a capacidade de gozo e a capacidade de exercício de direitos. Os direitos exercem-se frequentemente através da realização de negócios jurídicos. Os incapazes de exercício de direitos, viriam frustrada a sua participação na vida jurídica, se esse exercício não fosse cometido a outrém, que os represente, em nome e no interesse dos representados.
Essa representação, que a lei organiza, tem por isso a designação de representação legal.
Mas pode qualquer pessoa cometer a sua representação na celebração de negócios jurídicos a outra pessoa, conferindo-lhe voluntariamente poderes para a prática ou exercício de direitos ou a realização de negócios jurídicos.
Em tais casos, a pessoa a que são conferidos poderes, o representante, age ou celebra negócios jurídicos em nome de quem lhe conferiu poderes – o representado – produzindo efeitos jurídicos a actividade jurídica do representante na esfera jurídica do representado.
O representante age em nome e no interesse do representado, que atribui por sua vontade àquele os poderes para tal fim, e marca os seus limites (representação voluntária).
Também se pode falar de representação a propósito das pessoas colectivas. Estas não têm, em si mesmo, vontade. Importa que a sua actividade jurídica se exerça por intermédio dos seus órgãos representativos. Em tais casos, costuma falar-se de representação orgânica.
O objecto possível
O objecto dos negócios jurídicos pode, como o das relações jurídicas, ser objecto imediato e objecto mediato.
O objecto imediato é constituído pelos efeitos jurídicos que o declarante ou as partes pretendem produzir; equivale, por isso, ao conteúdo do próprio negócio jurídico.
O objecto mediato, no seu sentido próprio, é uma ou várias coisas, ou mesmo várias prestações que por sua vez têm por objecto uma ou várias coisas. O objecto dos negócios jurídicos não deve ser “física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável” (art. 280º).
Fisicamente impossível é só o objecto como objecto mediato; é uma impossibilidade que decorre da própria natureza das coisas.
A impossibilidade legal tanto afecta o objecto mediato como o imediato. Além dos casos em que directamente limita a possibilidade do objecto (coisas fora do comércio, por exemplo), será sempre legalmente possível o objecto do negócio jurídico contrário à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes.
Quando, porém, a reprovabilidade do negócio jurídico se queira ajuizar também em razão do fim que os autores do negócio se propunham, o desvalor do fim dos agentes não afecta a legalidade do objecto a não ser que o fim em si mesmo contrário à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, seja comum a ambas as partes (art. 281º).
O aspecto do motivo ou causa final da vontade do declarante, respeitando mais o aspecto subjectivo do acto, é de menor relevo nas relações com terceiros, e sobretudo em direito privado.
Também no caso de objecto física ou legalmente impossível, como quando o fim comum das partes seja contrário à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, o negócio não produz efeitos jurídicos, isto é não é reconhecido pelo direito e é consequentemente nulo.
A forma
Os negócios jurídicos não são em geral sujeitos a forma especial: quando ela, porém, for exigida, a falta das formalidades legais torna nulo o negócio. Pode, consoante a importância do negócio jurídico, e para constituir precisamente a sua prova, ou como essencial à existência jurídica do próprio negócio, exigir-se a sua celebração por escrito particular, por escritura pública perante o notário ou ainda com outras formalidades ou solenidades.
Nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos
Quando faltam, nos termos que a lei define, os requisitos ou elementos essenciais dos negócios jurídicos (gerais ou especiais de cada negócio), o negócio é nulo ou anulável.
O acto diz-se nulo quando não produz quaisquer efeitos jurídicos. Não tem valor, é como que não tivesse existido para a ordem jurídica.
Por isso que se não processou em conformidade com a lei, a lei não lhe concede qualquer relevância; não pode produzir os efeitos a que se destinava.
A nulidade afecta o negócio desde sempre; não são os efeitos que são destruídos por uma intervenção ou sanção posterior à lei; é o próprio negócio que desde o princípio é inidóneo para produzir efeitos.
A lei, porém, pode estabelecer gradações no modo de anulação do negócio. Ao lado da nulidade a que nos referimos admite a anulabilidade.
O negócio jurídico diz-se anulável quando a sua anulação depende da vontade de um ou mais interessados.
O acto nulo é nulo independentemente do desejo da sua anulação pelas partes interessadas.
O negócio anulável só não produz efeitos jurídicos, se a causa da nulidade for arguida por quem a possa invocar.
Donde resulta que o negócio nulo nasce morto; o negócio anulável permanecerá válido e eficaz se não for pedida judicialmente a sua anulação.
Não obstante o acto anulável ser válido até que sobrevenha a sua anulação, o efeito desta, isto é, a destruição dos efeitos do negócio opera retroactivamente: destrói desde o início o próprio negócio jurídico.
Consoante, pois, a sanção atinge o acto por força de lei independentemente da arguição de qualquer interesse particular em a invocar, assim se verificará a nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos.
Consequência do regime próprio da anulabilidade é a possibilidade da sanção ou confirmação do negócio. A pessoa que possa invocar a nulidade, isto é, de cuja vontade dependa a anulabilidade do acto, pode saná-lo ou confirmá-lo, revalidando-o, desde que tenha cessado o vício que dava origem à anulabilidade e o autor tenha conhecimento quer do vício, quer do direito à anulação.
Redução e conversão dos negócios jurídicos nulos e anuláveis
A ordem jurídica não destrói senão os actos que não possam, pelo menos em parte, ser aproveitados.
Se um negócio jurídico é em parte do seu conteúdo contrário à lei, ou viciado nos seus elementos essenciais, a nulidade da parte do negócio jurídico não afecta a validade da parte viciada, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada. Trata-se então de uma nulidade parcial, duma nulidade que afecta parte do negócio, e que não contamina a parte viciada. O negócio jurídico reduzir-se-á à parte não viciada, restringindo-se o seu conteúdo.
É o que se chama redução do negócio jurídico (art. 292º).
Quando o negócio jurídico não seja só parcialmente, mas totalmente nulo, é ainda possível o aproveitamento dos elementos que o compõem, se destes resultar a existência de outro negócio, que por si não estaria afectado de nulidade, desde que se mostre que as partes teriam querido estoutro negócio se houvessem previsto a invalidade do que directamente celebraram (art. 293º).
É a este fenómeno – ainda de aproveitamento do que não é nulo num negócio nulo – que se designa por conversão do negócio jurídico.
Os factos ilícitos
Indicámos a categoria de factos que podem ser relevantes para o direito, dando origem à constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas. Primacial importância revestem os factos do homem, os actos humanos, que a vontade domina.
E dentro destes distinguimos os factos voluntários lícitos e ilícitos. Tendo-nos ocupado dos factos voluntários lícitos, especialmente nos negócios jurídicos, há agora que fazer breve referência aos factos ilícitos.
Um facto ou acontecimento natural ou involuntário pode ser um mal no sentido de que causa dano, que é prejudicial; mas não é um mal, no sentido moral. E também não pode ser um ilícito.
A regra de direito é, como dissemos, valorativa e imperativa. A apreciação dos factos, em função daquele que suporta as consequências prejudiciais, é o mal objectivo, o dano, a lesão do direito ou interesse de outrém. Mas o direito pretende comandar a actividade humana, dirigindo-se e impondo-se à vontade; a função imperativa das regras de direito traduz-se na obediência da vontade humana às injunções das normas jurídicas.
in Manuel Cavaleiro Ferreira "Noções Gerais de Direito".
Crucifies my enemies....
quinta-feira, setembro 23, 2004
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
Muito obrigado.
Pelo menos para si este blog parece ter um propósito.
digo parece, pois como repetiu o comentário, não deve estar a fazer muito efeito....
Senhor = Deus
Srº ou senhor = individuo de sexo masculino
lê-los e não ler-los
Correctamente:
Os seus textos são melhores que ler este tipo de comentário onde numa simples frase, com 15 palavras, se dão erros enormes na escrita e gramática portuguesa!!!
Aprenda primeiro a falar e escrever para depois ter capacidade de comentar.
Esta merda tá animada por aqui!!! Oh oscar vai pro caralho lolololol
Vamos lá ter atenção à linguagem! O Sr. Óscar não ofendeu ninguém.
O/a continuaranónimo/a tem razão e sei que deverá ser um/a amante da lingua portuguesa bem aplicada. Eu também.
Sempre q consigo entrar e comentar parece uma discução (nos comentários)
Luke vamos animar, isso tá monótono!
Bom fim d semana!
Beijos...
Dani, isso é que anima!!!!!!!
ehehehehe
Enviar um comentário